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A encenação

A proposta de encenação somente se delimitará com o decorrer do projeto porque depende massivamente do material levantado pelos atores durante o processo de criação. Entretanto, algumas observações foram feitas até o presente momento e deixam entrever um possível caminho a ser trilhado.

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Para a criação de nosso ‘’espetáculo’’ utilizaremos o texto Seis personagens à procura de um autor, de Luigi Pirandello. Como nos processos anteriores optamos não por montar o texto ipsis litteris, mas utilizá-lo como estimulo disparador/provocador das discussões processuais que pretendemos investigar.

 

A encenação buscará a hibridização da linguagem teatral com a videográfica documental. Partiremos da ideia de ‘’documentário-ensaio’’, que não faz uso somente da palavra como meio de documentação, mas das imagens, e que mistura ficção e realidade, trazendo ao mesmo tempo histórias ‘’reais’’ e ‘’ficcionais’’. Com isso, teremos na encenação materiais tanto que foram levantados por meio de uma cartografia do bairro (por meio de entrevistas de moradores) quanto produzidos artisticamente a partir da cartografia durante o processo criativo. Visando acentuar ainda mais a tensão entre realidade e ficção teremos na cena propriamente dita a participação de moradores da região e atores da Descompan(h)ia enunciando suas narrativas, concomitantemente.

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Esta busca pela tensão entre ficção e realidade presente na encenação pretende lançará uma questão ao público: como se dá a construção da realidade? Procuraremos uma encenação que fomente a percepção da construção histórica das ‘’personagens’’ - que estão inseridas em uma sociedade na qual a meritocracia camufla todas as contradições sociais e culturais: buscaremos escapar de uma visão que acentue um olhar exclusivo sobre o indivíduo, desprezando os contextos históricos e sociais - embora nossa sociedade empurre-nos, ladeira abaixo, a nos visualizarmos como seres meramente individuais, plena e exclusivamente responsáveis pelos nossos destinos, a despeito de todas as complexidades sociais.

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A mistura de gêneros (cômico, dramático, trágico, farsesco, etc) será característica da nossa encenação. Não procuraremos uma ‘’limpeza cênica’’, o ‘’harmônico’’ e o ‘’belo’’, reafirmadas por uma perspectiva centralizadora, mas abraçaremos ‘’a sujeira’’, ‘’o desarmônico’’ e o ‘’feio’’, comportando os ruídos, as gags, as interposições, as dissonâncias, suscitando uma multifocalidade do olhar e contemplando várias perspectivas possíveis. Com isso, pretendemos fomentar que o público se torne coautor da criação, por meio da apresentação da perspectiva e da poetização de seu olhar: que seu olhar não seja somente contemplativo mas que desenvolva também o ‘’poder fabular’’, ou seja, por meio de seu olhar consiga construir um sentido àquilo que está vendo, desenvolvendo em si a potência da fabulação - tornar-se alguém capaz de fabular, tornar-se contador de sua história, a partir de sua perspectiva. Uma de nossas perspectivas levantadas pela encenação será a evidenciação da ‘’espetacularização do eu’’, num posicionamento crítico nosso da sociedade atual. Cada personagem carregará consigo o embate entre a imagem veiculada de si (sobretudo pela mídia) e aquela que encontraremos nos relatos pessoais dos moradores da região - evidenciando o embate entre a história oficial e aquela outra tecida no dia-a-dia e que está apartada dos livros de história, comumente.

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Ainda, sobre o trabalho do ator, teremos em cena um ator-aedo que se ocupará da performance oral das histórias coletadas e reinventadas poeticamente pela encenação. O Aedo era um antigo contador de histórias por meio da oralidade e da sua performance. Ele ‘’cantava’’ as histórias dos heróis e deuses mas nosso ator em cena cantará as histórias de pessoas comuns, histórias do cotidiano de uma vida do extremo leste da cidade de São Paulo. Cantaremos as histórias das personagens de Vila Nova Curuça!!!

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